Vinte anos de King Kong (2005): a ousadia de Peter Jackson diante de um mito do cinema

Ainda que o filme tenha estreado em dezembro de 2005, já podemos considerar que se vão vinte anos desde que Peter Jackson lançou sua versão de King Kong, um dos projetos mais ambiciosos de sua carreira. E não foi pouca coisa: após revolucionar o cinema com a trilogia O Senhor dos Anéis, o diretor neozelandês decidiu encarar um dos maiores ícones da história da sétima arte.

Recriar King Kong não era apenas uma questão técnica – era uma jornada emocional, quase pessoal. Jackson cresceu assistindo à versão de 1933, se apaixonou pela criatura, pela mitologia e pelos limites que aquele filme ousou ultraar. Quando teve a chance, fez questão de recontar essa história do seu jeito: mais longa, mais intensa, mais emocional.

Mas para entender a importância do King Kong de 2005, é preciso olhar para trás. A versão original, lançada em 1933 e dirigida por Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, foi um divisor de águas. Com efeitos visuais inovadores, como o uso da animação em stop-motion de Willis O’Brien, o filme apresentou ao mundo uma criatura que, até então, parecia impossível de retratar.

Kong se tornou um símbolo da força bruta da natureza, um monstro trágico que enfrentava os limites da civilização moderna. O impacto cultural foi tão forte que, ainda hoje, muitas das suas imagens – como Kong no topo do Empire State Building – são instantaneamente reconhecíveis por qualquer pessoa minimamente cinéfila.

Décadas depois, em 1976, foi a vez de John Guillermin dirigir uma nova versão, estrelada por Jeff Bridges e Jessica Lange. Com produção de Dino De Laurentiis, o filme trouxe o mito para a era do petróleo e dos interesses corporativos, substituindo o Empire State pelo World Trade Center. Apesar de ter sido um sucesso comercial, a recepção crítica foi mista, e o filme acabou sendo lembrado mais pelo impacto visual (incluindo o uso de um gorila mecânico em tamanho real que quase nunca funcionava) e por Lange (no auge da beleza) do que por qualquer outra coisa. Ainda assim, ajudou a manter Kong no imaginário popular – uma figura que, mesmo com altos e baixos, nunca desapareceu por completo da cultura pop.

É nesse contexto que entra Peter Jackson, já consagrado por transformar O Senhor dos Anéis em uma das trilogias mais aclamadas da história do cinema. Com um poder criativo praticamente ilimitado, ele resolveu investir tudo o que tinha (inclusive emocionalmente) em King Kong.

O filme é, ao mesmo tempo, uma homenagem respeitosa e uma reinterpretação apaixonada. Seus primeiros 60 minutos podem parecer excessivos, com cenas que beiram o constrangedor (quem lembra da fuga dos dinossauros sabe bem), mas quando Jackson decide focar no que realmente importa – a conexão entre Kong e Ann Darrow (vivida com intensidade por Naomi Watts) – o longa finalmente encontra seu coração. A partir daí, o filme cresce, se torna um épico de ação e tragédia, onde o gigante não é mais uma ameaça, mas uma figura profundamente melancólica.

Muito disso só é possível por causa do trabalho sensacional de Andy Serkis, que dá vida a Kong através da captura de movimentos. Assim como já havia feito com Gollum, Serkis transforma pixels em emoção pura. Kong não fala, mas sua dor, sua solidão e sua ternura são transmitidas com uma precisão absurda. Em tempos em que efeitos digitais muitas vezes tiram o peso dramático das histórias, King Kong de 2005 consegue fazer o oposto: criar uma criatura digital que nos parte o coração.

E claro, Jackson também solta o seu lado mais selvagem. As sequências de ação – a luta com três T-Rex, o ataque dos insetos gigantes, a captura espetacular do gorila, o clímax no topo de Nova York – são momentos de cinema puro, que misturam ação, horror e espetáculo com uma câmera que nunca para. É como se o diretor dissesse: “sim, eu posso fazer tudo isso, mas não me esqueci do que me trouxe até aqui.” E isso torna o filme ainda mais interessante, pois equilibra grandiosidade com afeto, técnica com paixão.

De lá para cá, Kong ainda continuou sua jornada nas telas. Ganhou nova forma em Kong: A Ilha da Caveira (2017), parte do chamado “MonsterVerse” da Warner e Legendary, e voltou a brigar com Godzilla nos recentes Godzilla vs. Kong (2021) e Godzilla x Kong: O Novo Império (2024). Nessa nova fase, o personagem é menos trágico e mais heróico, quase um protetor da humanidade. Mas o Kong de Jackson permanece como um capítulo especial nessa trajetória: o mais sentimental, o mais cinematográfico, o mais romântico.

Vinte anos depois (sim, já podemos arredondar!), King Kong de Peter Jackson continua sendo uma experiência única. Nem sempre acertada, mas sempre grandiosa, apaixonada, carregada de emoção. E talvez seja por isso que ainda nos lembramos dele – porque mais do que efeitos, monstros ou lutas espetaculares, o que realmente nos marca é ver aquele gigante solitário, contemplando o pôr do sol, desejando apenas um momento de paz.


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