Febre nas redes sociais, os bebês reborn têm deixado de ser apenas brinquedos. Pela semelhança com recém-nascidos reais, essas bonecas foram tema de debate até na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), que denunciou o uso por pacientes que tentavam burlar filas de atendimento. No entanto, antes de se tornarem alvo de fraudes, os reborns já estavam no centro de uma controvérsia envolvendo mulheres que publicam vídeos demonstrando cuidados semelhantes aos dedicados a filhos reais.
Segundo a psicanalista e pós-graduanda em Neurociência e Física da Consciência, Paula Lubianchi, as bonecas funcionam como “receptáculos simbólicos” para afetos redirecionados, especialmente quando há a ausência de um vínculo humano disponível causado por traumas, perdas ou outras razões. Esse redirecionamento, no entanto, não se limita aos bebês reborn. Objetos como bichos de pelúcia, animais de estimação, compras compulsórias ou até o consumo de pornografia podem cumprir papéis semelhantes em diferentes contextos.
“No caso do bebê reborn, a aparência realista acaba despertando a fantasia de um vínculo, mas sem os riscos e as dores do outro real. Esses vínculos artificiais, ainda que minoritários, chamam atenção porque revelam uma contradição do nosso tempo. Ao mesmo tempo em que buscamos relações afetivas, morremos de medo do que o outro traz”, afirma a psicanalista.
O “filho perfeito”, que não chora nem decepciona, representa, segundo Paula, o retorno do ideal narcísico de um amor sem riscos. Mesmo nos relacionamentos postiços, não significa que não existam sentimentos ou emoções verdadeiras. Por isso, compreender a polêmica exige sensibilidade.
“Mães reborn” e os comentários nas redes sociais
Expressões como “bizarrice”, “anormal” e “fim dos tempos” são comuns nos vídeos de mulheres que mostram seus laços com os bebês reborn — inclusive quando o conteúdo é feito em sátira à repercussão do tema. Para a psicanalista, essa reação revela a dificuldade coletiva em lidar com o que “foge do padrão”.
“A reação violenta e até escandalizada diante desses brinquedos diz muito mais sobre a nossa sociedade do que sobre quem estabelece esses vínculos. Quando alguém escapa do ‘script’ esperado, essa pessoa é vista como ameaça ou aberração, por romper com o ideal normativo sobre o que deveria ser uma relação ou a maternidade”, pontua Paula.
A verdadeira questão não está nos bonecos, mas na intolerância diante do que escapa à lógica dominante e no empobrecimento emocional da sociedade contemporânea. “A mesma sociedade que silencia mulheres enlutadas, mães solitárias e idosos esquecidos se revolta quando essas pessoas encontram formas simbólicas de dar sentido à sua dor”, completa.
A psicanalista também menciona o conceito de “objeto transicional”, criado pelo pediatra e psicanalista Donald W. Winnicott, para explicar que itens como os reborns podem oferecer apoio emocional diante de uma ausência real. Na infância, esse papel costuma ser assumido por cobertores, chupetas ou bichos de pelúcia. Na fase adulta, os reborns — entre outros objetos — podem ter efeito terapêutico, como no caso de mães que perderam filhos e buscam ressignificar o luto.
Para lidar com as feridas emocionais reveladas por esse fenômeno, o primeiro o não é tirar a boneca do colo, mas entender o que está faltando e o que ela representa. “Aos poucos, pode-se reinvestir o afeto em experiências humanas que, mesmo imperfeitas, oferecem algo que um boneco jamais poderá ofertar: a reciprocidade”, conclui Paula.
Comentários nas redes sociais afetam empreendedores
Artesã e proprietária da “Maternidade Bebê Reborn Curitiba”, Aline Lima contou, em entrevista à Tribuna, que os ataques online têm sido frequentes. “É um trabalho artesanal que exige tempo e dedicação, e ainda assim tem gente dizendo que a loja deveria ser fechada. Os bebês reborn mudaram a minha vida. Hoje, eles são o meu sustento e de toda a minha família”, declarou.
Com a maioria do público formada por crianças, Aline afirma que a repercussão do nome da loja nas redes sociais não interferiu nas vendas, nem para melhor nem para pior. Para proteger o negócio, a página da loja optou por restringir os comentários nas publicações.
