Vivemos tempos estranhos, onde a lógica, coerência e empatia parecem ter tirado férias prolongadas juntas e os valores encontram-se de ponta-cabeça. A sensação é de que nadamos cansativamente contra uma correnteza de absurdos, onde o mérito é questionado, a dedicação é punida e a superficialidade é aplaudida de pé.
Em Curitiba, essa inversão ganha contornos absurdos no caso de Claudia Kos Erbano, da ONG Salve os Bulls. Uma mulher que dedica a vida a resgatar cães da raça Bull Terrier e Pitbull, animais frequentemente estigmatizados e vítimas de abandono e maus-tratos. Seu trabalho é exemplar, exige conhecimento profundo e uma habilidade certeira no manejo dessas raças – tanto que é requisitada em outras cidades para resgates complexos.
Porém, Cláudia corre o risco de ser condenada criminalmente. A denúncia? Perturbação do sossego. Supostos latidos excessivos, feita por um único vizinho, enquanto outros quatro atestam o bom comportamento dos animais que, por característica da raça Bull Terrier, sequer costumam latir. A “solução” oferecida? Um acordo para que ela realize trabalhos para a comunidade. Oi? A ironia é dolorosa: como se o que ela já faz, com tanto sacrifício e amor, não fosse um serviço comunitário da mais alta relevância.
O caso não é isolado!
Não é um caso isolado. Veronica Rodrigues, uma das lideranças do movimento SOS Arthur Bernardes, ao tentar, SOZINHA, impedir o corte ilegal de árvores, foi alvo de desrespeito por várias vezes por pessoas (guardas, funcionários, e moradores desinfomados do tamanho do pepino. Foi rotulada de “abraçadora de árvores “. É a proatividade em defesa do bem comum, do meio ambiente, esbarrando na ignorância e na hostilidade. São cenas que se repetem, onde quem se doa, quem se importa, quem age corretamente, é transformado em vilão por aqueles que preferem a comodidade da desinformação ou a defesa de interesses questionáveis.
O mais alarmante é a facilidade com que muitos embarcam nessas narrativas distorcidas. Frequentemente, o posicionamento e o veredito são selados pela simples justificativa de ser adepto deste ou daquele “político de estimação”, deixando de lado qualquer traço de raciocínio crítico sobre o acontecimento em si. Assim, muitos sequer concedem a si mesmos a chance de apurar os fatos, de buscar informações consistentes e formar uma opinião verdadeiramente embasada. “Da trabalho e da preguiça dessa averiguação toda.” Então a condenação torna-se sumária, automática, especialmente contra aqueles que ousam defender o que é justo ou questionar o status quo.
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Essa falta de reflexão crítica e a inversão de valores transbordam para as mais diversas esferas. Observamos com perplexidade o tratamento dispensado a uma ministra de Estado, mulher, em sabatinas e debates públicos: interrupções, descaso, grosseria e um ar de superioridade condescendente. Em contrapartida, alguns senadores protagonizam cenas vergonhosas de “baba ovo” explícito com influenciadores de plataformas de apostas, com direito a sorrisos, afagos e poses para fotos. É “vergonha alheia” que se fala, né? Isso se tornou sintoma de um país que parece ter perdido o rumo do que realmente importa, trocando o debate sério sobre políticas públicas pela bajulação de quem lucra com a sorte (ou azar) alheia.
E que falar da PL da devastação? Nem tem o que falar. Talvez queiram falar disso na COP 30. Agora a luta é pela sobrevivência.
E, como diz o ditado, “acontece nas melhores famílias” – ou melhor, em todos os âmbitos onde o respeito deveria ser a norma, mas a distorção se faz presente. Fui pessoalmente desrespeitada de forma flagrante por homens graduados durante uma palestra em 2024. A prepotência e hostilidade nas falas aconteceram por ser uma mulher no palco. Recentemente, o mesmo tratamento partiu de um jardineiro, em um momento em que eu estava sozinha em casa. São pequenas e grandes agressões cotidianas que demonstram como o machismo e a arrogância ainda encontram terra fértil para minar a voz e a presença feminina em espaços que deveriam ser de todos.
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Mas o que une esses episódios? É a falência da empatia, é a preguiça intelectual, é a polarização cega e a valorização do efêmero em detrimento do essencial. Quando quem cuida é punido, quem protege é atacado, quem questiona é silenciado e quem representa o superficial é idolatrado, é sinal de que nossa bússola moral não está apenas descalibrada – ela está apontando para o lado errado.
Precisamos resgatar a capacidade de reflexão, de questionamento e, sobretudo, de reconhecer e valorizar quem verdadeiramente contribui para um mundo melhor, mais justo e equilibrado, seja resgatando animais, defendendo o meio ambiente ou simplesmente exigindo respeito, antes que essa inversão de valores se torne a regra e a sua ausência seja a paisagem definitiva.
