“Quem dá um sentido para a vida é você mesmo”. A frase é de Hamilson Jorge Junior, 36 anos, “O Cara” do Instituto Médico-Legal (IML). O apelido veio quando o estilo pouco comum para um agente público que carrega corpos de pessoas vítimas de violência ou de acidentes ou a ser destaque em cenas de crimes e no perfil dele nas redes sociais. Bombeiro acostumado a salvar vidas desde os 29 anos, há dois ele trabalha recolhendo a morte. Seu perfil na rede social Instagram é polêmico.

As fotos são bonitas, muito bem produzidas, mas retratam artisticamente os cadáveres que ele recolhe durante o trabalho. Nas postagens, vídeos com mensagens filosóficas avisam: “se você não quer imagens fortes, não me siga”.

Desde que entrou para o IML, em abril de 2016, sua vida se transformou. “Eu levei um choque de realidade”, diz. “Era bombeiro e, de repente, estava abraçando corpos em decomposição para tirá-los da forca. Isso me amadureceu e comecei a pensar muito sobre a morte, em como a vida pode ser levada para não ser abreviada de forma sorrateira”, afirma o hipster* do IML.

A história mais macabra que ele viveu foi em uma delegacia, em um caso de enforcamento. “Quanto entrei na cela, senti um calafrio. Os presos estavam agachados, sendo vigiados, e eu fui até onde o corpo estava. Era horrível. Comecei a pensar como era viver ali, me coloquei na posição de cada um. Não vou julgar se eles eram merecedores daquela situação, mas dá para saber que não é possível viver em paz desse jeito. Eu não sabia que o mundo era assim. Eu era uma criança até sentir a morte falando comigo”, descreve Hamilson. “No meu trabalho, conheço histórias que poderiam ter tido um final mais feliz. É essa a mensagem que quero ar”.

Foto: Felipe Rosa
Foto: Felipe Rosa

Hamilson já foi casado por nove anos, mas está solteiro. Quem o segue no Instagram sabe que não é apenas o registro da morte que se destaca. Selfies e videos muito bem produzidos até parecem ter sido feitos por um fotógrafo profissional, o que causa suspiros em corações mais derretidos. Um metro e noventa de altura, sapatos quarenta e quatro, olhos levemente puxados, barba, cabelos para trás presos com um minicoque, corpo malhado pelo crossfit, suspensórios por sobre a camisa, voz grossa e um jeito de andar tranquilo de quem veio para apaziguar um momento difícil para as famílias. “Gosto de me vestir e trabalhar nesse estilo. Talvez por isso eu receba algumas mensagens curiosas sobre o meu estado civil. Quando chegam com respeito eu respondo, só não pode ultraar a linha”, explica.

Olhar de fotógrafo

Embora pareçam profissionais, as fotos são produção própria. “É o meu olhar sobre mim mesmo e sobre as situações que vivo”, conta o agente, que frequentou por dois anos o curso de Publicidade e Propaganda, sem concluir. “Uma professora me disse que as fotos são um recorte do tempo, por um determinado ângulo. Mesmo que você tire dez fotos em sequência, uma será diferente da outra por instantes. Tento ver as coisas por outra perspectiva”, filosofa.

A educação que recebeu na infância interfere. “Meu pai gostava de aventura pela natureza e eu sempre estava junto com ele, mas eu me sentia desamparado em relação às coisas da vida. Quando eu trocava ideia sobre algum assunto, sobre trabalho, ele dizia que o seu desejo era apenas que eu fosse feliz. Acho que isso dificultou um pouco as coisas para mim porque eu realmente buscava uma orientação. Esse vazio que eu senti é o que eu quero evitar ao falar da morte pelo Instagram”, comenta.

“Tem morto aí"M627.409,331.563L512.604,306.07c-44.69-9.925-79.6-46.024-89.196-92.239L398.754,95.11l-24.652,118.721 c-9.597,46.215-44.506,82.314-89.197,92.239l-114.805,25.493l114.805,25.494c44.691,9.924,79.601,46.024,89.197,92.238 l24.652,118.722l24.653-118.722c9.597-46.214,44.506-82.314,89.196-92.238L627.409,331.563z"/>