Recém-modificada com a restrição à transmissão a descendentes nascidos no exterior, a Lei da Cidadania, de 1992, está de novo em debate na Itália, agora por outro motivo. Um referendo nacional, neste domingo (8) e segunda-feira (9), perguntará aos eleitores se o texto deve ser alterado para que seja diminuído o prazo para que estrangeiros que vivem no país possam pedir a cidadania.
Pela regra atual, um imigrante adulto de fora da União Europeia pode solicitar a cidadania após dez anos morando legalmente na Itália. O referendo propõe que esse tempo caia para cinco anos. Os requisitos para apresentar o pedido não mudam: o autor deve comprovar renda suficiente e conhecimento da língua italiana, além de não ter cometido crimes.
Entre os grandes países europeus, a Itália possui o prazo mais rigoroso para esse tipo de cidadania. Alemanha, França e Reino Unido exigem cinco anos de residência legal.
“A lei italiana já nasceu velha, olhando para o ado, para a história da Itália como país de emigração, e não como país de imigração”, diz Ennio Codini, responsável pelo setor Legislação da Fundação Ismu, dedicada a estudos sobre multietnicidade. “Não foi pensada para exigências e problemas ligados à imigração em massa.”
Desde então, o texto foi retocado pontualmente, mas nunca reformado. Segundo Codini, em mais de 30 anos, foram centenas de tentativas de mudanças falidas, quase sempre no Parlamento, que tratavam especialmente da situação de filhos de estrangeiros nascidos no país, que só podem obter a cidadania aos 18 anos.
Foi do debate sobre esse trecho da lei que nasceu tanto a proposta de referendo, no segundo semestre do ano ado, como o tema da limitação da cidadania por direito de sangue para quem nasce no exterior, iniciativa do governo efetivada pelo Parlamento em 20 de maio.
À época, após os Jogos Olímpicos de Paris, o país discutia o caso da jogadora de vôlei Paola Egonu, nascida na Itália de família nigeriana. Medalha de ouro e eleita a melhor do torneio, ela sofreu ataques racistas que questionavam seu status de italiana. Egonu, que sempre viveu e estudou no país, obteve a cidadania na adolescência, depois que seu pai conseguiu a dele.
Defensores do referendo argumentam que, com a diminuição do prazo para pedidos de estrangeiros que já estão no país de forma integrada, mais crianças e jovens seriam beneficiados e se tornariam italianos mais cedo, antes dos 18 –depois que o genitor se torna cidadão, a transmissão é automática para filhos menores de idade. Além disso, com o novo status, os imigrantes am direitos como votar e concorrer a vagas no serviço público.
Vivem hoje no país 5,4 milhões de estrangeiros regularizados, 9,2% da população. Nos últimos três anos, a Itália concedeu mais de 200 mil cidadanias anuais. Em 2023, quase 70% dos casos se referiram a pedidos de pessoas de fora da UE por tempo de residência e à transmissão de genitores a filhos menores. Albaneses e marroquinos são os que mais obtêm o documento por tempo de residência.
A proposta de referendo foi apresentada pelo partido de centro-esquerda Mais Europa, que defende a alteração da lei. Ela conta com apoio do Partido Democrático, principal sigla de oposição, além de outras legendas e organizações da sociedade civil. Para ser autorizada pela Suprema Corte, a proposta precisava da de ao menos 500 mil italianos –no total, 637 mil pessoas apoiaram sua realização.
Nas últimas semanas, as siglas que formam o governo -Irmãos da Itália e Liga, de ultradireita, e Força Itália, de centro-direita-, sugeriram aos eleitores que não compareçam às urnas e se abstenham do voto, o que pode comprometer o resultado do referendo.
A primeira-ministra Giorgia Meloni declarou, na última quinta-feira (5), ser contra a mudança da regra. “Sou totalmente contra baixar à metade o tempo para a cidadania. Continuo a achar que a Lei da Cidadania da Itália é ótima.”
Para ser validado, é preciso que mais da metade dos eleitores votem, independentemente de como votarem. Se o quórum não for atingido, nada muda. Em 2022, outro referendo revogatório, que modificava pontos do sistema judiciário, não avançou devido à afluência de apenas 20,4%. Dois anos antes, o referendo constitucional que reduzia o número de parlamentares foi aprovado, com 51,1% de comparecimento às urnas.
Os cidadãos italianos que vivem no Brasil, cerca de 874 mil, puderam votar por correspondência. As cédulas, enviadas ao endereço de cadastro do eleitor, precisavam chegar de volta aos consulados até 5 de junho, para que fossem transmitidas ao país europeu.
Com bem menos atenção no debate, outros quatro pontos foram incluídos no referendo, relativos a questões trabalhistas, como direito de reintegração ou indenização para demissões sem motivo, limites para contratos por tempo determinado e responsabilidade de empresas em acidentes de trabalho.
Apesar do risco de fracasso do referendo por falta de quórum, os resultados deverão ser observados como um termômetro do sentimento dos italianos. Se o sim à mudança na Lei da Cidadania receber um percentual baixo, em torno de 15% a 20%, será entendido como falta de interesse do eleitor pelo assunto, que deverá ser deixado de lado. “Se atingir os 30-40%, pode ser um empurrão para tirar da gaveta alguma proposta do Parlamento e o tema continuar em debate”, diz Codini, da Ismu.
